sábado, julho 09, 2005

As Pessoas De Fernando Pessoa

Uma pergunta que muitos fazem: por que heterônimo e não pseudônimo? Porque o pseudônimo é a mera troca de assinatura, é um artifício usado por escritores que não querem colocar seu próprio nome na autoria de suas obras, mas que as reconhecem como suas. Não é esse o caso do escritor que ora analisamos. Fernando Pessoa não reconhecia como próprios todos os textos e poemas que escrevia, tinha presente quem eram seus autores. E não se tratava de um mero exercício de construção de personagens, para ele os heterônimos eram entes que se apresentavam a ele com características definidas: data de nascimento (e morte, no caso de Alberto Caeiro), feições, estilo literário e alguns dados pessoais, tais como filiação, naturalidade, profissão e residência. Vislumbra-se nas suas explicações sobre a heteronímia um certo tom de mediunidade atribuído ao evento (“Médium, assim, de mim mesmo, todavia subsisto”). Diz, numa de suas cartas a Adolfo Casais Monteiro, que a percepção dessas pessoas acontecia para ele desde muito pequeno, mas que não eram amigos imaginários, como muitas crianças criam. Os que ele tinha “eram gente”.

Além dos heterônimos, havia também o semi-heterônimo (“porque, não sendo a personalidade a minha, é, não diferente da minha, mas uma simples mutilação dela. Sou eu menos o raciocínio e a afetividade...”) chamado BERNARDO SOARES, ajudante de guarda-livros em Lisboa, que escreveu o “Livro do Desassossego”. Tal livro é constituído por vários textos, escritos em uma espécie de prosa poética, que foram encontrados na arca de Pessoa após sua morte. Todos eles tinham o título do livro ou suas iniciais (L.D.), mas não havia uma ordem entre eles, salvo alguns serem datados. Os trechos foram reunidos e o livro publicado. Dá-se conta de que há nessa arca mais de 22.000 textos, manuscritos, ensaios, poemas, etc., que ainda não foram publicados.

São muitos os heterônimos e semi-heterônimos de Fernando Pessoa, sendo Bernando Soares o principal entre os “semi” e Alberto Caeiro, Álvaro de Campos e Ricardo Reis entre os heterônimos. Vou transcrever uma síntese das descrições de cada um feitas por ele e falar um pouco sobre o estilo de cada um:

ALBERTO CAEIRO “nasceu em 1889 e morreu em 1915; nasceu em Lisboa, mas viveu quase toda a sua vida no campo. Não teve profissão nem educação quase alguma, só instrução primária; morreram-lhe cedo o pai e a mãe, e deixou-se ficar em casa, vivendo de uns pequenos rendimentos. Vivia com uma tia velha, tia-avó. Era de estatura média, louro sem cor, olhos azuis. e, embora realmente frágil (morreu tuberculoso), não parecia tão frágil como era. Escrevia mal o português”. Alberto Caeiro era o mestre dos outros dois. É o poeta pagão. Opõe à metafísica o desejo de não pensar. Faz da oposição à reflexão a matéria básica das suas reflexões. Busca precisamente o contrário: ver as coisas como elas são, sem refletir sobre elas e sem atribuir a elas significados ou sentimentos humanos.

ÁLVARO DE CAMPOS “nasceu em Tavira, no dia 15 de Outubro de 1890 (às 1,30 da tarde, diz-me o Ferreira Gomes; e é verdade, pois, feito o horóscopo para essa hora, está certo). É engenheiro naval (por Glasgow), mas agora está aqui em Lisboa em inactividade. É alto (1,75m de altura, mais 2 cm do que eu), magro e um pouco tendente a curvar-se, entre branco e moreno, tipo vagamente de judeu português, cabelo, porém, liso e normalmente apartado ao lado, monóculo. Teve uma educação vulgar de liceu; depois foi mandado para a Escócia estudar engenharia, primeiro mecânica e depois naval. Numas férias fez a viagem ao Oriente de onde resultou o Opiário. Ensinou-lhe latim um tio beirão que era padre. Escrevia o português razoavelmente mas com lapsos como dizer «eu próprio» em vez de «eu mesmo», etc”. Os poemas de Álvaro de Campos são marcados pela oralidade e pela prolixidade. Seus versos são longos, próximos da prosa. Despreza a rima ou métrica regular. Despeja seus versos em torrentes de incontrolável desabafo. É o poeta das sensações e do futurismo. É o heterônimo com que Pessoa mais se identifica em sofrimento humano; através dele “chega a fingir que é dor a dor que deveras sente” (Autopsicografia – Fernando Pessoa).


RICARDO REIS “nasceu em 1887 (não me lembro do dia e mês, mas tenho-os algures), no Porto, é médico e está presentemente no Brasil. É um pouco, mas muito pouco, mais baixo, mais forte, mais seco que Caeiro. É de um vago moreno mate. Educado num colégio de jesuítas, é, como disse, médico; vive no Brasil desde 1919, pois se expatriou espontaneamente por ser monárquico. É, um latinista por educação alheia, e um semi-helenista por educação própria. Escrevia o português melhor do que eu, mas com um purismo que considero exagerado”. Ricardo Reis era um erudito, defensor dos valores tradicionais, tanto na literatura quanto na política. É o poeta das odes. Recorre sempre aos deuses da mitologia grega. Este paganismo, de caráter erudito, afasta-se da convicção (e paganismo) de Alberto Caeiro de que não se deve pensar em Deus. Reis acreditava que os deuses regiam nossos destinos.

Muitos acreditam que este mundo imaginário de Fernando Pessoa é resultado de uma enfermidade mental. Outros atribuem-no ao ocultismo e ao misticismo que ele possuía, haja vista que confeccionava mapas-astrais e se interessava muito por assuntos ligados ao espiritismo. Eu prefiro pensar que ele era um grande escritor, com uma sensibilidade e genialidade assentadas em graus muito superiores aos da imensa maioria dos homens.

“Hoje já não tenho personalidade: quanto em mim haja de humano, eu o dividi entre os autores vários de cuja obra tenho sido o executor. Sou hoje o ponto de reunião de uma pequena humanidade só minha.”


Fernando Pessoa, nascido em Lisboa no dia 13 de junho de 1888, era empregado de um escritório na Baixa. Seu trabalho consistia em escrever cartas comerciais em inglês e francês. Prestou serviços a várias firmas, sem nunca ter de cumprir horário fixo. Tem-se notícia de apenas uma namorada, Ophélia. Ela era tia de um amigo de Pessoa, tinham praticamente a mesma idade. O namoro teve mais episódios literários do que de convívio, já que eles se escreviam inúmeras cartas e pouco se viam, um pouco por a família dela não aprovar muito o namoro, outro pouco por Pessoa não ter o ânimus da convivência. Era reservado e, acho, pouco sociável.

“Tornando-me assim, pelo menos um louco que sonha alto, pelo mais, não um só escritor, mas toda uma literatura, quando não contribuísse para me divertir, o que para mim já era bastante, contribuo talvez para engrandecer o universo, porque quem, morrendo, deixa escrito um verso belo deixou mais ricos os céus e a terra e mais emotivamente misteriosa a razão de haver estrelas e gente.
Com uma tal falta de literatura, como há hoje, que pode um homem de gênio fazer senão converter-se, ele só, em uma literatura? Com uma tal falta de gente coexistível, como há hoje, que pode um homem de sensibilidade fazer senão inventar os seus amigos, ou, quando menos, os seus companheiros de espírito?”

"Prosética"

Por que brincadeira do destino eu vim a conhecer-te e perder-me de amor por ti?
Será que naquele dia havia uma espécie de gincana entre os querubins e um deles resolveu acertar-me de súbito, faltando poucos segundos para cumprir alguma prova e lhe faltasse apenas um ponto para ficar a frente no placar? Será que o caso é tão cruel e banal assim?
Não sei, não sei.
Só pode ser brincadeira, alguém há de estar a divertir-se com esses tantos desencontros que só fazem separar você de mim.
Se não, por que outro motivo as coisas teriam de ser assim?
Diga-me, sabe qual a razão de todo esse desatino?
Será que sou eu o joguete e você o pirralho sem educação a brincar pelas ruas com meu coração?
Ah! Se assim o for a verdade, providências hei de tomar!
Cortarei a cordinha desse ioiô que tenho estado em tua vida a representar.
E não terei pena alguma em ver em teu rosto a decepção quando, ao puxares a cordinha, nada chegar em tua mão.
Assim, ficaremos quites: restarão vazias as suas mãos tal qual vazio há de restar o meu coração.

sexta-feira, julho 08, 2005

O Fracasso da Internet

Após mais de uma década de existência da rede mundial de comunicação via computadores, faz-se necessária a análise de seu desempenho no nosso cotidiano. Vista, em um primeiro momento, como combustível refinado para a velocidade do mundo moderno e como encurtadora de distâncias, a internet mostra hoje, sem pudores, suas facetas mais obscuras. A rapidez para transmitir informações, aproximar culturas, auxiliar na pesquisa e educação parecem não oferecer contra-peso suficiente às mazelas que ela proporciona.


E esse fato não traz surpresa alguma. Todas as tecnologias e descobertas feitas ao longo da história da humanidade tiveram, de uma forma ou de outra, desviadas as suas originais finalidades para a autodestruição. O avião, também encurtador de distâncias, logo foi utilizado como mantenedor do poder pela opressão e ameaça dos mais fortes, sob a égide da defesa de um Estado. O mesmo se deu com a pólvora, a energia elétrica, a energia nuclear. O homem é, de fato, o lobo do homem, como afirmou Thomas Hobbes.


A internet cumpre hoje seu papel na subversão do animal racional, facilitando a ação e troca de informações de organizações criminosas, terroristas e racistas; armazenando sites de pedofilia e de muitos outros tipos de desvios comportamentais; tornando viável a ação de fraudadores em níveis nunca antes supostos possíveis e mais uma série de outras ilicitudes e ações ameaçadoras ao bem-estar social.


Como se isso já não fosse bastante, a rede mundial de computadores tem contribuído ainda no agravamento da individualidade, do egoísmo e da solidão humanas. O homem está abolindo de sua vida certos atos fundamentais ao desenvolvimento de seu caráter, fazendo com que reuniões profissionais e encontros entre amigos tornem-se cada vez mais escassos, já que muitas razões para que estes aconteçam podem ser resolvidas através de um simples e-mail ou sala de bate-papo, poupando, assim, tempo e dedicação. Tempo este que acaba por não ter onde ser empregado, tendo em vista a vacuidade que se torna a vida do indivíduo que evita, o quanto pode, o convívio com seu semelhante. Suprindo de forma parcial e falsa a sua carência, contenta-se em fazer novos amigos sem ter contato físico, em ler um livro sem precisar ir até a livraria para compra-lo, em dizer o que pensa sem precisar expor sua figura ou, até mesmo, criar um personagem para si e, com ele, sub-viver em uma rede de outros personagens tão fictícios quanto o seu.


A internet informa e aliena. Diverte e desanima. É consumida e consome. Aniquiladora do ânimus de aprendizagem de novas culturas, traz tudo pronto em suas páginas e mais páginas com fotos das cidades num “citytour” simulado. Hipnotiza o usuário com sua agilidade e rapidez, roubando o tempo de reflexão e de questionamento. De tanta informação que contém, desinforma e contribui para a preservação da ignorância.


Em uma época em que assistimos ao declínio de um modelo de civilização sem vislumbrar uma solução para conter o caos, em que solidariedade, bom senso e cooperação entre povos estão em vias de extinção, a comunicação por computador tem acelerado esse processo, não contribuindo quase que em nada para freia-lo. Se é, por certo, inegável o avanço e a guinada que a internet deu ao mundo, é, em mesmo grau, indiscutível a degradação que veio com ela.

quinta-feira, julho 07, 2005

Lugar-Comum

Um dos lugares mais comuns que existe é a incansável luta de cada um para não cair em clichês. E nada poderia ser mais clichê do que iniciar este texto fazendo um jogo de palavras como esse da frase anterior, já que a palavra clichê quer dizer “lugar-comum”. Mais clichê ainda é dar o significado que a palavra-chave do texto tem no dicionário logo de início. Falar em clichê é então o maior de todos os clichês possíveis. Por isso esse início completamente viciado, impregnado de mesmices. Pra desde logo assumir que, por mais que a gente tente, acaba, vez ou outra, caindo em lugares-comuns. E por que não?

Às vezes a originalidade está na própria falta de originalidade. Às vezes as palavras mais batidas, as frases mais feitas são justamente aquelas que precisamos, aquelas que se encaixam com perfeição. O comum deixa espaço para que nós mesmos busquemos a originalidade que pode haver por detrás de tantas trivialidades. Por que se furtar de dizer a alguém “estás longe dos meus olhos, mas perto de meu coração”, por exemplo, se essa pieguice é o que exprime com fidelidade o que estamos sentindo? Certamente o original disso será percebido pelo destinatário da frase. E, finalmente, por que temos que ser sempre originais? De onde vem essa nossa necessidade de surpreender? Provavelmente para nos destacarmos da multidão, para nos sentirmos únicos e insubstituíveis, pois apenas nós agimos de determinada forma, apenas nós temos determinada reação para esta ou aquela situação, apenas nós expressamos com determinadas palavras o que sentimos. Ainda assim, não escapamos de prosaísmos.

Por quê? Por que somos o nosso próprio lugar-comum. Por mais que façamos, somos sempre nós mesmos. Repetimos os mesmos erros. Nossas manias não são outra coisa senão nossos auto-clichês.Talvez ao fugirmos de clichês estejamos fugindo de nossa previsibilidade, tentando sempre algo novo para nos livrarmos da monotonia que cada um de nós é para si.Pois, por mais que surpreendamos os outros, é raro nos surpreendermos com nós mesmos.No mais das vezes, sempre antevemos, mesmo que inconscientemente, quais serão nossas atitudes perante os fatos que se apresentam no nosso dia a dia.

O preconceito que temos em relação a clichês é, na verdade, medo do corriqueiro, do banal, do simplório. Medo de ser igual, de fazer parte do todo a ponto de se ver diluído em cotidianidades e fulanices. E essa quase claustrofobia que temos de mesmices acaba nos impedindo de viver certas pequenas simplicidades que, ao fim das contas, são os melhores pedaços da vida. Quer maior clichê do que, sem nenhuma data especial, dizer e ouvir de resposta “eu te amo”?

quarta-feira, julho 06, 2005

Futuro do Pretérito

Havia aquele mar imenso a nossa frente, avançando corajosamente em ondas a beira daquela praia. Havia aquela lua emanando uma luz penetrante... ah, aquele luar! Havia nós dois como hoje já não somos mais. Como hoje já não podemos mais ser, pois já não existe aquela áurea de mistério e descoberta que nos instigava a tantos mergulhos cegos e desprecavidos. E caminhávamos naquele cenário desprotegidos um do outro, enfrentando o momento, ignorando todos os precipícios que se apresentavam ao longo do caminho. Todas as perguntas e respostas, olhares e sorrisos, eram matas fechadas que levavam a abismos doces que nos desafiavam... e nós, valentes desbravadores, aceitávamos a provocação e ríamos das conseqüências.

Mas hoje não somos mais aqueles dois, hoje já não somos dois, nunca nós fomos dois. Hoje já não conseguimos mais manter a farsa, não podemos mais pagar as apostas e temos medo de muitas perguntas que deveriam ser feitas, das suas respostas que não deveriam ser caladas. Hoje, covardes, preferimos silêncios e mal-entendidos a verdades nuas e cruas, daquelas que desfazem qualquer ilusão que ainda remanesça a respeito de nós dois, que nunca fomos nós dois. Elegemos o futuro do pretérito como o nosso tempo verbal e real, enquanto o tempo passa e aniquila aqueles outros dois que ficaram perdidos num outro tempo na beira daquele mar. Cada “deveríamos”, “poderíamos”, “teríamos” que inserimos em nossas frases, cada vez que pensamos um no outro conjugando-nos no futuro do pretérito, matamos um pouco o que fomos, o que quase fomos, o que não podemos ser.

Chegará, por certo, o momento em que, ao refletir sobre o que nos passou, se nos afigure na memória apenas um mar, um pequeno mar, uma lua qualquer com um brilho qualquer e uma vaga impressão de que havia ao nosso lado alguém, alguém que não podemos precisar quem era ou o que nos falava. E, aos poucos, lembraremos apenas de que caminhávamos decididos, mas ébrios demais de ilusões para encontrar algum rumo.
Havia um mar, uma lua e alguém ao meu lado. Sim, havia um oceano.

Introdução

...em estado esperimental...
...até quando não sei...
...por enquanto existindo...
...ainda incerta quanto a continuidade desse blog que mal está começando...
...tudo é apenas uma tentativa...
...eu ainda não estou muito confortável com a ídéia de ver publicados aqui os meus textos...

...mas...

...quem sabe? porque não?...

...